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Roberto Carlos em Detalhes Paulo Cesar de Araújo Editora Planeta, 2006 “Quanto mais se tenta esconder a verdade, mais será revelado” FÐøRøMø Orelha livro: Roberto Carlos é o mais popular cantor brasileiro de todos os tempos - e nenhuma celebridade deste país pode ser considerada mais conhecida ou mais adorada pelo pỳblico Quando comeỗou a fazer sucesso, o homem ainda não havia chegado Lua, os Beatles ainda não haviam conquistado o mundo, a Guerra Fria ainda dividia o planeta, e o Brasil era apenas bicampeão mundial de futebol Pois bem: o homem foi e voltou Lua, os Beatles viraram lenda, a União Soviética acabou, o Brasil já conquistou o pentacampeonato e Roberto Carlos continua fazendo sucesso Agora, tem-se a impressão de que a carreira de Roberto Carlos foi um deslizar natural em direỗóo ao sucesso Um grande equívoco Neste livro, vai-se descobrir que sua vida também está repleta de percalỗos, de perdas, algumas muito dolorosas Uma das explicaỗừes para o sucesso extraordinỏrio que Roberto Carlos alcanỗou e alcanỗa estỏ numa declaraỗóo dele, logo depois de ser desclassificado no festival de San Remo de 1972: "Apesar de tudo não me senti vencido" Sim, porque, de fato, ele jamais se sente vencido E isso mesmo nos momentos mais dramáticos de sua vida Mesmo quando a tragédia lhe causa uma dor sem limite Este livro é o resultado de uma história de vida com Roberto Carlos, mais de 15 anos de pesquisa e quase 200 entrevistas exclusivas O autor, Paulo César de Araújo, além de pesquisador, é um apaixonado pelo cantor desde crianỗa Somente assim seria possớvel empreender o trabalho de levantar - em detalhes - toda a trajetória artística, a vida e a intimidade de Roberto Carlos Nesse sentido, tratase de uma obra de estatura inédita: nunca um ídolo nacional da dimensóo de Roberto Carlos foi esmiuỗado de modo tão meticuloso, e com tamanha obsessão de mostrá-lo ao público De fato, este livro persegue - e dá conta - desafio de contar tudo sobre Roberto Carlos, desde o início em Cachoeiro, passando por cada episódio significativo de sua vida E isso detendo-se em todas as canỗừes de sucesso - canỗừes que expressaram a rebeldia da juventude numa ộpoca e que a seguir acompanharam os amores de seu público, como um amigo de horas certas e incertas Enfim, trata-se de um retrato completo desse ídolo que, como ninguém, pode com sinceridade cantar os versos "se chorei ou se sorri/ o importante ộ que emoỗừes eu vivi" Historiador formado pela UFF (Universidade Federal Fluminense), jornalista pela PUC-RJ e mestre em Memória Social pela UNI-RIO, Paulo César de Arẳjo é profundo conhecedor da história da Música Popular Brasileira É autor de Eu não sou cachorro não: música popular cafona e ditadura militar, publicado pela Record em 2002, obra considerada referência na historiografia da MPB Sucesso de público e crítica, o livro recebeu elogios de personalidades como Caetano Veloso, Nelson Motta, entre outros Contatos com o Autor: mpbcultura@ibest.com.br Fim da orelha Índice Orelha Do Livro: Uma História Bonita E Triste Forỗa Estranha No Ar Little Darling Fora Do Tom Daqui Pra Frente Tudo Vai Ser Diferente Jovens Tardes De Domingo Parei Na Contramão O Mais Certo Das Horas Incertas Quando Eu Estou Aqui Legal, Imoral Ou Engorda Vou Cavalgar Por Toda A Noite Todos Estão Surdos Como Vai Você Amante A Moda Antiga Uma Luz Lỏ No Alto Faỗo No Tempo Soar Minha Sílaba Depoimentos Ao Autor / (Por Ordem Alfabética): Jornais E Revistas: Bibliografia Obras De Referência: Uma história bonita e triste Era uma manhã de sol, início de agosto de 1973 Recordo que seria o primeiro dia de aula depois das férias de julho Eu estava a caminho da Escola Municipal Anísio Teixeira, onde cursava o quarto ano primỏrio, quando um cartaz me chamou a atenỗóo Em um dos muros da avenida Régis Pacheco, no centro de minha cidade, o mural estampava em letras garrafais: "Roberto Carlos vem aí Dia 31 de agosto, às 21 horas, Estỏdio Lomanto Jỳnior Ingressos venda" Meu coraỗóo disparou Finalmente eu poderia ver Roberto Carlos ao vivo Finalmente Roberto viria a Vitória da Conquista, cidade da Bahia que deu ao Brasil nomes como o cineasta Glauber Rocha e os cantadores Elomar e Xangai, mas que adotou Roberto Carlos como se também fosse seu filho Desde pelo menos 1966, auge da jovem guarda, havia uma grande expectativa por um show de Roberto Carlos em minha cidade Entretanto, o cantor se apresentava em Salvador e outras cidades baianas como Feira de Santana e Itabuna, e nada de vir a Vitória da Conquista Assim como acontecia na ộpoca em relaỗóo possớvel visita de Frank Sinatra ao Brasil, a presenỗa de Roberto Carlos na cidade era várias vezes anunciada, mas, depois, nunca confirmada Em setembro de 1969, por exemplo, um show chegou a ser programado, o local reservado, mas a agenda de Roberto não comportou Vitória da Conquista, que foi outra vez exclda seu roteiro Mas agora, em agosto de 1973, parecia que ele viria mesmo e imensos cartazes com a foto de Roberto Carlos estavam ali nos muros da cidade para quem quisesse ver Seria um único show, em um único dia, única oportunidade de ver Roberto Carlos ao vivo em Vitória da Conquista Naquele início dos anos 70, Roberto Carlos ainda era chamado de o rei da juventude, mas ele jỏ atingia todas as faixas etỏrias, principalmente as crianỗas, que desde a jovem guarda se divertiam ao ouvir temas como O calhambeque, O brucutu e História de um homem mau Espalhados por todo o Brasil havia milhares e milhares de pimpolhos que cantavam o seu repertório, imitavam seus gestos e repetiam suas frases e gírias, mora? E eu era uma dessas crianỗas com os olhos e ouvidos postos em Roberto Carlos, e atento a tudo o que ele fizesse Mas, no meu caso, não apenas nele, porque costumava assistir a quase todos os shows que aconteciam em minha cidade Com nove, dez, onze anos, ia sempre para a porta Cine Glória, local da maioria dos shows, tentando filar uma entrada E foi assim que assisti, em abril de 1972, por exemplo, ao primeiro show que Gilberto Gil fez no Brasil após sua volta exílio em Londres Seus pais, doutor Gil e dona Florinda, moravam em Vitória da Conquista e, nessa visita famớlia, Gil fez uma apresentaỗóo de voz e violão no Cine Glória E estava eu, aos dez anos de idade, ouvindo Gilberto Gil discursar e cantar Expresso 2 2, O sonho acabou, Back in Bahia e outras canỗừes exớlio Recordo tambộm de um concorrido show cantor Paulo Sérgio, outro de Nelson Ned e atộ um veterano Nelson Gonỗalves Mas agora estaria na cidade o ídolo maior, Roberto Carlos, e, diferentemente dos outros, o show dele não seria no cinema e sim no estádio de futebol Lomanto Júnior, o Lomantão Na véspera dia show eu estava tão ansioso que nem dormi direito Não tinha ingresso nem dinheiro para comprá-lo O pior é que, ao contrário Cine Glória, que fica no centro da cidade e dava para eu ir até a pé, o estádio Lomantão fica bem mais distante Era preciso pegar ônibus e, caso conseguisse entrar no show, chegaria muito tarde em casa O preỗo ingresso, me lembro muito bem, era 10 cruzeiros Era uma nota vermelha que trazia a esfinge de Tiradentes Como eu desejei ter uma nota daquelas para comprar logo meu ingresso! Minha mãe percebeu a minha vontade e então tomou uma decisão Deu-me o dinheiro de ida e volta ônibus e pediu que eu fosse para a porta Lomantão Quem sabe encontraria alguém conhecido que pudesse me colocar dentro estádio Mas recomendou: se não conseguisse entrar, que eu viesse para casa imediatamente Ela não iria dormir enquanto eu não voltasse O ônibus que me conduziu ao estádio estava superlotado Fiquei na parte de trás junto a um grupo de moỗas e rapazes que cantavam canỗừes de Roberto Carlos Era um clima festivo e de muita alegria O grupo de trỏs puxava uma canỗóo e a galera ụnibus seguia acompanhando E assim fomos até o estádio cantando sucessos como Quero que vá tudo pro inferno, Se você pensa, Jesus Cristo e outras Ao chegar ao estádio, notei que a fila estava imensa, mas andava com rapidez A maioria das pessoas já estava com ingresso na mão Acho que nem tinha mais ingressos para vender, talvez só nas mãos de cambistas Eu procurava desesperadamente algum conhecido que pudesse me dar uma entrada Corria de uma ponta a outra da fila A pessoa mais conhecida que encontrei foi o gerente de um supermercado que havia perto da rua em que eu morava Ele estava na fila com toda a família: a mulher, os filhos, a cunhada e acho que até a empregada dele ganhou um ingresso para o show Depois de alguns minutos de hesitaỗóo, tomei coragem e me aproximei dele Perguntei se ele podia pagar a minha entrada Ele me reconheceu, estranhou que eu estivesse ali sozinho, mas disse que nada podia fazer porque os ingressos estavam contados Fui para a porta de entrada principal estádio e apelei ao porteiro para que me deixasse entrar "Só com ingresso, e, por favor, saia da frente para não atrapalhar o público." Na época, Roberto Carlos utilizava para shows em estádios de futebol um equipamento de voz de 800 volts e dois canhões de luz de 000 volts de potência Havia também um gerador próprio para suprir as dificuldades de energia nas cidades interior Tudo era transportado num caminhão Ford F-350, que eu vi parado em frente ao estádio O caminhóo trazia a inscriỗóo RC-7 bem grande na sua carroceria de alumínio Roberto Carlos era o cantor de todas as classes sociais, mas só o público de classe média para cima tinha o privilégio de ver o seu ídolo ao vivo Na época, pouco antes de um show em Florianópolis, o próprio Roberto admitia ao repórter que o entrevistava: "Quer apostar como tem mais gente fora que aqui dentro? Meu público é pobre, não pode pagar ingresso muito caro" De fato, a grande maioria povo brasileiro ficava lado de fora dos shows de Roberto Carlos E eu estava ali para provar isso Não era somente no Brasil que acontecia essa exclusão No México acabou explodindo em forma de violência coletiva O público cantor provocou uma quase rebelião na cidade de Coatzacoalcos, no estado de Vera Cruz, no norte país Foi numa sexta-feira de abril de 1974, quando Roberto Carlos se apresentaria no ginásio de esportes Miguel Alena Gonzalez Era um show há muito tempo aguardado na cidade e que atraiu uma multidão para a porta ginásio Entretanto, grande parte público foi surpreendida com o preỗo dos ingressos, considerado muito alto Os mais endinheirados compraram seus ingressos rapidamente, enquanto a parte mais pobre público resolveu protestar, de paus e pedras na mão, acusando Roberto Carlos de cantar apenas para ricos "Levamos um susto danado porque eles comeỗaram a quebrar vidraỗas e jogar pedras quando já estávamos dentro", lembra o baixista Bruno Pascoal, que tinha chegado mais cedo com os companheiros RC-7 para testar o som ginásio Foi como uma reaỗóo em cadeia Pessoas que passavam pelo local, e que estavam descontentes com o preỗo póo ou da tequila, se juntaram aos fãs de Roberto Carlos no quebra-quebra Segundo relato da imprensa, grande parte das dependências ginásio foi destrda pela multidão enfurecida Só faltaram mesmo pegar em armas e iniciar uma nova revoluỗóo no Mộxico, evocando Zapata e Pancho Villa Em Vitória da Conquista isto não aconteceu, até porque o estádio era longe centro e os excluídos ficaram em casa Lembro que o tempo estava passando e já não tinha quase ninguém fora estádio Corri para o portão lateral onde estava estacionado o imenso caminhão com o nome RC-7 Era por ali que entravam os músicos Era por ali que entraria Roberto Carlos De repente um corre-corre, alvoroỗo no portóo lateral, seguranỗas se aproximando Um Galaxie LTD metálico chegou lentamente e no banco de trás, com os vidros todos fechados, dava para ver que estava ele, com os imensos cabelos encaracolados que usava naquele início dos anos 70 Era ele mesmo, Roberto Carlos! Eu e um grupo de meninos comeỗamos a gritar "Roberto, Roberto " Ele nos acenou com aquele seu sorriso cândido e triste, e o carro desapareceu no imenso portão lateral que se fechou rapidamente Parecia o fim da esperanỗa de entrar Eu, que assistira a tantos shows em Vitória da Conquista, perderia justamente aquele? Muitos dos que estavam ali no portão foram embora Ficamos eu e alguns meninos de rua, sem camisa e todos negros que costumavam estar sempre na porta estádio, fosse em jogos de futebol, shows de música ou eventos religiosos Mas, antes de dar a última tranca no portão, um senhor de terno azul, provavelmente da equipe de Roberto Carlos, nos chamou: "Ei, vocês, entrem aqui, rápido" Corremos todos para o portão Que sorte, pensei, no último instante a chance de ver o show de Roberto Carlos Mas, no momento em que me abaixei para atravessar o portão, aquele mesmo senhor de terno azul fechou a minha passagem com o braỗo, dizendo: "Vocờ nóo, vocờ pode pagar" e fechou o portão rapidamente É verdade, eu parecia mesmo que tinha dinheiro Branquinho, de banho tomado e de roupinha arrumada Naquela quinta-feira, minha móe me colocou a calỗa e a camisa que eu só usava aos domingos para ir igreja ou a alguma festa de aniversário Eu estava todo limpinho e arrumadinho para ver Roberto Carlos Por isso fui barrado, enquanto aqueles meninos negros, descamisados e de pés descalỗos, que historicamente sempre ficavam lado de fora, naquele dia entraram Fiquei ali alguns minutos paralisado na porta estádio e só então me dei conta de que a noite estava muito fria Do lado de fora, ouỗo os primeiros sons de bateria e guitarras De repente, sinto o estádio estremecer numa explosão de gritos e aplausos Era Roberto Carlos entrando em cena E deu para ouvir a voz dele que chegava de longe, meio distorcida pelo vento que soprava forte "Eu sou terrível/ e é bom parar/ porque agora vou decolar " O show estava comeỗando Mas me lembrei da recomendaỗóo de minha móe: voltar imediatamente se nóo conseguisse entrar E, francamente, não dava mais para eu ficar ali Voltei para o ônibus que agora retornava vazio para o centro da cidade Ninguộm cantava canỗừes Roberto Toda aquela galera de jovens felizes na viagem de ida estava agora dentro estádio Ali, naquele ônibus, apenas o motorista, o cobrador e eu Os únicos que não puderam ver o show Perdi o show que mais desejei assistir na vida Para mim, até hoje, Roberto Carlos nunca foi a Vitória da Conquista Rio de Janeiro, abril de 1996 A entrevista com Roberto Carlos estava marcada para as três da tarde em sua casa, na avenida Portugal, na Urca Era uma entrevista muito aguardada Entrevistar Roberto Carlos tem sido tarefa muito difícil - como, aliás, é difícil entrevistar qualquer grande mito da cultura E obter uma entrevista exclusiva em sua casa, mais difícil ainda Foram poucos os jornalistas, principalmente a partir dos anos 80, que conseguiram entrevistar Roberto em sua casa Mas ia eu, acompanhando o meu amigo jornalista Lula Branco Martins, que na época escrevia uma matéria para o Jornal Brasil Lula sabia da pesquisa que eu realizava há alguns anos sobre a obra de Roberto Carlos E sabia da minha história com Roberto Carlos Do show em Vitória da Conquista Quando recebi o convite, meu coraỗóo disparou como daquela vez que vi o cartaz anunciando o show de Roberto Carlos em minha cidade Eu e Lula montamos juntos a pauta da entrevista Eu preparei questões mais históricas e ele questões mais atuais sobre o novo show de Roberto Carlos no Rio No meio caminho um imprevisto Uma passeata de estudantes e funcionários da UFRJ, um punhado de bandeiras vermelhas PT e, principalmente, PC B, com seu tradicional símbolo comunista quase roỗando o vidro automúvel Trõnsito parado, o tempo passando "Não é possível que vamos perder a entrevista Roberto por causa de uma foice e um martelo", ironizou Lula ao volante carro A minha preocupaỗóo era outra e tinha um nome: Ivone Kassu, assessora de imprensa de Roberto Carlos Em 1990, iniciei a pesquisa que resultou neste livro Naquele ano, tentei pela primeira vez uma entrevista com Roberto Carlos Liguei para o escritúrio de Ivone, a Kassu Produỗừes, e consegui participar da coletiva daquele ano, no Copacabana Palace Uma entrevista exclusiva, ela disse que não poderia ser No ano seguinte, a coletiva foi no mesmo local, mas não consegui convite Entrei no meio de jornalistas e fiquei ali escondido pelos cantos, evitando me encontrar com a assessora de imprensa Em 1992, tentei novamente, e já me contentava em participar apenas da coletiva Afinal, numa coletiva, em meio a uma série de perguntas absolutamente invariáveis através dos tempos, sempre podia surgir alguma informaỗóo nova, que eu poderia juntar s outras que estava acumulando Não consegui falar com Ivone, nem convite Fui assim mesmo para a coletiva Imperator, no Méier, onde Roberto faria uma temporada Dessa vez, não fiquei escondido pelos cantos, arrisquei falar com Ivone Kassu Mas, assim que ela me viu, chamou um garỗom e ordenou: "Por favor, não sirva nada a este rapaz Ele não foi convidado para a coletiva" E me virou as costas Fiquei ali alguns minutos paralisado Mais uma vez estava barrado de um evento com Roberto Carlos Por tudo isso, o possível encontro com Ivone Kassu na portaria prédio de Roberto me deixava ansioso Como ela iria reagir? Mas, justamente por causa da passeata, chegamos 25 minutos atrasados, e o porteiro informou que a assessora havia acabado de subir Ele ligou para o apartamento e veio a ordem para o Lula subir Eu subi junto No elevador, já fui pensando: "Benditas foice e martelo " Não tinha dúvida de que, se encontrasse Ivone Kassu na portaria, iria ser barrado mais uma vez Mas agora o elevador subia e eu já estava a um passo da porta da sala de Roberto Carlos A um passo de um encontro e de uma conversa frente a frente com o rei Roberto mora na cobertura de um prédio de cinco andares, todos com apenas um apartamento, situado de frente para a baía de Guanabara com o Cristo Redentor ao fundo Quando saímos elevador, a porta já estava aberta Em pé, estava ele, Roberto Carlos vestido de Roberto Carlos, com seu tradicional traje de calỗa jeans azul, camisa branca e tờnis brancos Ivone estava sentada em um sofá de frente para a porta Lula foi o primeiro a entrar, sendo apresentado a Roberto por ela Foi logo pedindo desculpas pelo atraso e em seguida me apresentou "Roberto, este é meu amigo Paulo César " Roberto estendeu-me a mão efusivamente, fitando meus olhos, e disse: "Já nos conhecemos não é, bicho?" Sem pestanejar, e também olhando no fundo dos seus olhos, respondi: "Com certeza, Roberto Eu sou o Brasil" A conversa iniciou de forma descontraída na ampla sala de o cantor podia ser chamado de rei, mas que não tinha nenhuma realeza que justificasse eleger um sucessor "Não sabia que não podia", esquiva-se Roberto, "foi uma dificuldade registrá-lo com o nome de Segundo Não sei por quê." O poeta Guilherme de Almeida, especialista em heráldica e genealogia, não via motivos para tanto protesto "Está tudo certinho, certi-nho Legalmente, Roberto pode pôr o que quiser no nome filho Se eu fosse ele faria o mesmo: deixava na terra um herdeiro completo, com nome e tudo." Registre-se que Roberto Carlos não foi o primeiro plebeu a aristocratizar o nome filho Os Henry Ford II, III e iy descendentes pioneiro da indústria automobilística americana, também foram enobrecidos por seus ancestrais em cartório Não deixava, no entanto, de ser uma tentativa de um rei ainda imaturo e não totalmente seguro de seu cetro e coroa de formalizar, de alguma maneira, o título que lhe haviam concedido Tanto que, hoje em dia, Segundinho não é mais chamado desse modo, e sim de Dudu Braga O reinado de Roberto Carlos na música popular brasileira tem um evento crucial, que marca seu inớcio O lanỗamento de Quero que vá tudo pro inferno, no final de 1965, espalhou-se como fogo no palheiro A partir daí, a vida de Roberto Carlos mudaria radicalmente O grande problema de Roberto Carlos a partir daí seria dizer não Dizer não para os jornalistas que insistiam em pedir entrevistas, dizer não para os compositores que lhe enviavam músicas para gravar, dizer não para os vários clubes e ginásios que disputavam seus shows - dizer não Desde então, por onde Roberto Carlos passasse havia sempre a mobilizaỗóo de enormes massas populares para aclamỏ-lo Gritos de admiraỗóo e cenas de histeria ocorriam nos aeroportos onde ele desembarcava, porta dos hotéis onde se hospedava e nos ginásios ou estádios onde se apresentava No final de 1968, o psicanalista Roberto Freire foi designado pela revista Realidade para escrever uma reportagem sobre Roberto Carlos Para melhor entender o fenómeno, decidiu acompanhar o cantor numa excursão ao Sul ps No primeiro show, na cidade de Florianópolis, em Santa Catarina, Roberto Freire viu a multidão que cercava o ídolo desde sua saída para o ginásio onde seria realizado o espetáculo "No momento em que Roberto Carlos surgiu na porta hotel, a massa rompeu a proteỗóo e foi com enorme dificuldade que os policiais conseguiram colocá-lo no carro estacionado a um metro da porta", relata Freire, que acompanhou o trajeto de carona em uma das viaturas policiais que davam cobertura ao carro que conduzia Roberto Carlos "Partimos em grande velocidade, ouvindo gritos e vendo jovens correndo atrás dos carros Durante o percurso, muitos automúveis cheios de moỗas procuravam emparelhar-se com o que levava Roberto No carro em que eu estava, um policial falava pelo rádio com a Central de Polớcia e recebia instruỗừes de seguranỗa e aỗóo, como se fosse uma operaỗóo militar decisiva Sú compreendi o significado de tudo isto ao chegar diante ginásio de esportes Milhares de pessoas aguardavam a chegada de Roberto Carlos O desembarque foi emocionante Não consegui ver o que acontecia com ele, pois fomos todos envolvidos pela multidão." É uma pena que essas viagens de Roberto Carlos pelo país afora não tenham sido acompanhadas por cinegrafistas - como frequentemente acontecia nas excursões dos Beatles pela Europa e pelos Estados Unidos A beatle-mania ganhou uma dimensão muito maior exatamente pelo registro das imagens que são até hoje exaustivamente repetidas nas televisões Já o fenómeno Roberto Carlos não teve o devido registro de imagens e a robertomania parece restrita ao auditório da TV Record nas tardes de domingo No entanto, as excursões rei não ficaram restritas aos anos 60 Durante a excursão Projeto Emoỗừes, quando Roberto Carlos percorreu catorze estados Brasil em 1983, a revista Veja constatava que "talvez o presidente da República e Pelé possam realizar proeza semelhante - mas a lista se esgota aí Nenhum outro brasileiro consegue, como Roberto Carlos, com sua simples presenỗa, nóo apenas empolgar, mas alterar a rotina de uma cidade Em cada uma das que visitou durante sua turnê, aeroportos eram invadidos por comissões de recepỗóo, multidừes se acotovelavam nas portas de hotộis que o hospedavam e o trânsito parava para dar passagem caravana real" Na contramóo da comoỗóo popular que o artista despertava, muito se especulou sobre a possível queda rei Diziam que ele não aguentaria muito tempo, que o sucesso acabaria no inverno seguinte, que era falso demais para perdurar O jornalista David Nasser relatou: "Ninguém pensava, naquele início dos anos 60, que o moỗo triste de Cachoeiro de Itapemirim tinha vindo para ficar por tanto tempo Eu também, quando o vi pela primeira vez, calculei que não passasse de um dos muitos passageiros da música" Opinião semelhante que teve o jornalista e ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda "Pensei, pensaram muitos, que ele ia afundar nas margens plácidas de um Ipiranga de glória passageira." Nos anos 60, a pergunta que Roberto Carlos era mais vezes obrigado a responder foi: "Você acha que conseguirá manter-se ainda por muito tempo como cantor de sucesso?" Outra, similar: "Você está preparado para a queda?" "O problema não é estar preparado para a queda É lutar contra ela Eu acho que jamais vou me preparar para a queda Vou, sim, lutar contra ela E lutar contra ela através meu trabalho que eu tento aperfeiỗoar cada vez mais", respondeu Roberto Em meio polộmica em torno da ascensão de Paulo Sérgio, e a queda de audiência de seu programa na televisão, não faltaram análises apocalípticas sobre a queda ídolo Os sociólogos de plantão também foram chamados a se manifestar sobre o fato Marialice Foracchi, socióloga da Universidade de São Paulo, afirmou que Roberto Carlos se transformara em consumo e, por conseguinte, havia se desgastado "Ele acabou se perdendo porque, generosamente, distribuiu as características que o tornavam tão especial O seu modo de vestir, compor e falar foi partilhado por todos, imitado por todos As diferenỗas gradativamente se anularam A distõncia que, no palco, mantinha Roberto Carlos afastado mas ao mesmo tempo ao alcance de seu público dissolveu-se Confundindo-se com o público, o ídolo adquiriu forma humana ", e por aí seguia toda uma tese sociológica para explicar por que teria se exaurido o mito Roberto Carlos O que ninguém analisava era se as canỗừes de Roberto Carlos continuavam atingindo o grande pỳblico Nota-se que, naquela ộpoca, o critộrio de avaliaỗóo poder de Roberto Carlos estava no índice de audiência de seus programas, como se ele fosse essencialmente um apresentador de televisão, e não um cantor-compositor O mais admirável, talvez, foi que Roberto teve que enfrentar suas prúprias inseguranỗas, e sempre seguindo em frente, sempre buscando êxitos cada vez maiores "Sou um cantor estabilizado e com um público fiel", declarou ele numa entrevista de 1969 "Na época em que eu era onda pedia 15 milhões por show pra ver se havia alguém disposto a pagar Havia Todo mundo tinha certeza que a minha moda passaria e resolveram tirar o máximo de mim Eu também tinha medo de que tudo acabasse de uma hora para outra e não perdia tempo Pensei um pouco, confiei mais em mim e resolvi virar gente Hoje cobro mais que naquela ộpoca e ainda faỗo cinema e televisóo Mas tenho que arranjar tempo para não prejudicar a família porque me convenci de que sou mais que uma fase." Nos demais países não houve um grupo ou cantor jovem com poder de fogo maior que os Beatles O Brasil talvez tenha sido o único país no qual, nos anos 60, os Beatles não foram os principais ídolos e vendedores de discos Aqui quem mandava era Roberto Carlos e sua turma Fenómeno que vai se repetir depois com o aparecimento espanhol Júlio Iglesias O que levou Caetano Veloso a afirmar que Roberto Carlos era o nosso ministro da Defesa O fenúmeno Roberto Carlos chamava a atenỗóo de todas as subsidiárias da CBS Men- salmente fazia-se uma lista de best-sellers locais Cada subsidiária tinha sua lista e a enviava com a quantidade de discos vendidos e a data de lanỗamento Quando a matriz comeỗou a ver o nỳmero de discos vendidos por Roberto Carlos, ficou estupefata Nenhuma das outras subsidiárias conseguia vender tanto Registre-se que o auge de Roberto Carlos não foi durante a jovem guarda Foi na virada da década de 1970 para a seguinte Em dezembro de 1978, Roberto dizia: "Conquistei com meu trabalho atual faixas de penetraỗóo que atộ algum tempo atrỏs pareciam impossớveis Eu e Erasmo vencemos uma série de preconceitos sem qualquer tipo de apelaỗóo" Do Brasil, este sucesso se alastrou pelo exterior, sobretudo com o público latino Do veterano Júlio Iglesias ao jovem compositor uruguaio Jorge Drexler, geraỗừes de cantores e compositores hispanoamericanos se formaram ao som de canỗừes de Roberto Carlos Todos são confessos admiradores artista brasileiro Jorge Drexler, por exemplo, vencedor Oscar de melhor canỗóo em 2004, afirma que tinha cinco anos de idade quando se impressionou com a imagem de um cantor cabeludo num programa de televisão em Montevidéu Era Roberto Carlos cantando: "Eu quero ter um milhão de amigos/ e bem mais forte poder cantar " Quando o garoto Jorge Drexler foi estudar piano, disse que queria tocar aquela música que ouvira na televisão No outro dia, sua professora lhe trouxe a partitura de Eu quero apenas, a primeira música que ele aprendeu a tocar "Até hoje, quando escuto esta música eu me emociono", disse ele numa entrevista a Jô Soares Em 1970, o jornalista e ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda escreveu na revista Manchete uma reportagem sobre Roberto Carlos Naquele momento, banido da atividade política pelo AI-5, Lacerda voltava aos velhos tempos de repórter e quis conhecer de perto o fenómeno da música popular brasileira, que há cinco anos era líder absoluto das paradas de sucesso Primeiramente, foi ao badalado show de Roberto Carlos no Canecão Em seguida, solicitou uma entrevista com o artista Para Roberto Carlos aquilo era mais uma prova de seu crescente prestígio, porque na época Carlos Lacerda se dedicava a escrever basicamente sobre os grandes temas e os grandes estadistas da atualidade Mas eis que o ex-governador estava agora interessado em falar com Roberto Carlos, e Roberto Carlos concordou em falar com o exgovernador E assim ficaram frente a frente, o rei da juventude e o implacável político que derrubava presidentes Segundo relato jornalista Mendonỗa Neto, testemunha encontro, inicialmente os dois estavam tímidos "Roberto girava sua pulseira de prata, Lacerda espremia a ponta pé na sola sapato; um acendia e reacendia o cachimbo, o outro fumava cigarros sem parar." Mas aos poucos foram se descontraindo, Roberto Carlos bem menos que Lacerda Ao final da conversa de cerca de duas horas, Roberto Carlos saiu elogiando seu entrevista-dor "O homem é terrível Quando a gente olha nos seus olhos, sabe que nóo conseguirỏ disfarỗar nada Jamais conheci alguộm tão fascinante." Mas o cantor mudaria de opinião depois que a matéria de Carlos Lacerda foi publicada na revista Isso porque o ex-governador conjeturou que aquele acidente com o trem na infância pode ter contribuído para o sucesso de Roberto Carlos, na medida em que "fez com que tantos o ajudassem e tóo poucos temessem a sua competiỗóo" Na ộpoca, Roberto Carlos ficou realmente muito desapontado com Carlos Lacerda e manifestou isso publicamente "O fato de eu não ter mais problemas com meu defeito não autoriza ninguém a teatralizá-lo tanto Tenho verdadeiro ódio a usar isso como arma para comover quem quer que seja Se venci foi por meu talento e minha fé em Deus", desabafou Claro que o talento e a fé de Roberto Carlos foram fatores determinantes para o seu sucesso Mas outro fator, igualmente importante, foi a sua intuiỗóo, o faro para tomar as decisừes certas na hora certa Nas decisões sobre o direciona-mento de sua carreira, especialmente depois que entrou na CBS, Roberto Carlos não errou mais Saiu da bossa nova para o rock, e acertou; mudou-se Rio para São Paulo e acertou; saiu programa Jovem Guarda no momento exato, foi disputar San Remo em 1968 e acertou; saiu rock para o romântico e acertou; fez show no Canecão tudo certo Por vezes o produtor Evandro Ribeiro se desesperava com Roberto Carlos: "Ele é teimoso, teimoso Mas às vezes faz tudo errado e dá tudo certo" Roberto confirma: "Sou um cara teimoso ổs vezes, um pouco cabeỗa-dura Mas na realidade isso tem me dado resultados muito bons, ter sido teimoso em alguma coisa em que eu tinha absoluta convicỗóo" Quando os Beatles desembarcaram pela primeira vez nos EUA, perguntaram-lhes qual a razão de seu grande sucesso John Lennon respondeu que se soubesse contrataria uma nova banda e seria seu empresário Ao longo das décadas, essa mesma pergunta tem sido feita a Roberto Carlos Qual a razão de seu sucesso? Por que você agrada tanto a tantos e há tanto tempo? A resposta de Roberto, sem a ironia de Lennon, tem sido basicamente a mesma "Nóo sei explicar exatamente Faỗo o meu trabalho, componho, canto, capricho, tudo que faỗo gosto de fazer bem-feitinho, mas acho que outros artistas fazem isso também Eu nóo sei qual a explicaỗóo meu sucesso." Hỏ quem diga que tudo se deve ao carisma ou ao fato de ele jamais confrontar alguộm, seja outro artista, uma instituiỗóo moral, governamental ou política Talvez seja mesmo difícil compreender a razão sucesso permanente e grandioso de artistas como Roberto Carlos, Beatles, Elvis Presley, Frank Sinatra No caso de Roberto, as explicaỗừes por vezes caminham tambộm pelo lado misticismo, dom da graỗa divina, ou pelo lado ocultismo, forỗa estranha Na verdade, a resposta é mais fácil que parece, pois as razões sucesso de Roberto estão aqui na Terra mesmo, embora todos pareỗam nóo querer enxergỏ-las Uma delas, efetivamente, ộ a qualidade e forỗa de seu repertúrio de canỗừes, especialmente as que compụs com Erasmo Carlos Numa entrevista em 1966, Erasmo Carlos dizia que um dos seus sonhos era fazer uma canỗóo que ficasse na memúria povo brasileiro, como um samba de Noel Rosa, que é cantado por vỏrias geraỗừes Na ộpoca em que Erasmo disse isso, tinham-se passado quase trinta anos da morte de Noel Rosa Hoje jỏ se passaram quarenta anos daquela declaraỗóo de Erasmo e se pode constatar que ele conseguiu com folga o seu objetivo Vỏrias canỗừes que compụs com Roberto ao longo desses anos tornaram-se clássicos da nossa música, são ouvidas e cantadas por mais de uma geraỗóo de brasileiros - exatamente como um daqueles velhos sambas de Noel Parece haver uma dificuldade em admitir que Roberto e Erasmo são autores de grandes, de belớssimas canỗừes, canỗừes que o tempo provou que o povo brasileiro estava certo em acolhê-las e errados estavam os críticos em não reconhecê-las imediatamente Roberto Carlos é Roberto Carlos porque gravou ou compôs temas como Detalhes, Se vocờ pensa, Outra vez, Cavalgada, Emoỗừes, Fera ferida, Nossa canỗóo, Olha, De tanto amor, Como vai você, O portão, Jesus Cristo, As curvas da estrada de Santos E ainda Sua estupidez, Cafộ da manhó, Nossa Senhora, Proposta, As canỗừes que você fez pra mim, Como é grande o meu amor por você Os críticos afirmam que Roberto Carlos é um intérprete bem maior que sua obra Mas eu afirmo que ele se tornou um mito muito mais pela sua obra que pela sua interpretaỗóo Para ser um Roberto Carlos não basta ser um excelente cantor, como de fato ele é Cauby Peixoto é tão bom quanto ele, mas passa a vida cantando Conceiỗóo e Bastidores Falta a Cauby o que sobra a Roberto: canỗừes, muitas e grandes canỗừes E foi o que faltou a Sộrgio Murilo, Tony Campello, Ronnie Cord, Demétrius e vários outros ídolos da juventude que surgiram antes de Roberto - e depois se perderam pelo caminho E se perderam porque não tiveram o talento para criar ou escolher grandes canỗừes O caso dos Beatles é também significativo Houve outras bandas, nos anos 60, também produzidas por George Martin e empresariadas por Brian Epstein No entanto, nenhuma se igualou aos Beatles Faltava o que sobrava aos quatro rapazes de Liverpool: canỗừes, grandes canỗừes, muitas grandes canỗừes Roberto Carlos tinha consciờncia que era essencial em sua carreira: "Nunca acreditei em nenhuma das profecias negras que fizeram a meu respeito Atravessei mais um inverno e poderei atravessar outros Tudo vai depender de meu repertório" E diz Caetano Veloso: "Quando Roberto e Erasmo chegam a fazer uma coisa boa, têm uma tal capacidade de clareza, de propriedade, que é uma coisa!" "Roberto Carlos é um artista genial O que ele faz é muito difícil tocar o povo mais simples, com poucas palavras Você acha que isso é fácil? Tente, para ver como é difícil sintetizar suas mensagens de uma forma tão sucinta, tão simples", afirma Erasmo Carlos Mas talvez o difícil não seja tocar o povo mais simples Isso muitos outros artistas conseguem O difícil é tocar o povo mais simples e ao mesmo tempo atingir os setores mais elitizados Artistas como Caetano Veloso ou Chico Buarque, por exemplo, atingem um segmento de público mais restrito, localizado na classe mộdia; uma ou outra canỗóo deles ultrapassa o limite de sua classe social Por sua vez, canỗừes de artistas como Odair José e Amado Batista atingem apenas o segmento mais popular Já grande parte repertório de Roberto Carlos é ouvida tanto por um segmento quanto por outro Este é o diferencial Por isso ele é o rei Nóo existe nenhum mistộrio: ộ o talento para fazer canỗừes que atingem a sensibilidade de multidões Foi o que levou um jornalista a dizer que Roberto Carlos aboliu a luta de classes na música popular brasileira Para o poeta Affonso Romano de Sant"Anna, Roberto Carlos é uma espécie de "herói cultural" brasileiro porque "ele é o lado kitsch (popular) dos ouvintes mais sofisticados e é o lado mais sofisticado dos ouvintes mais kitsch" Finalmente, uma das explicaỗừes para o sucesso extraordinỏrio que Roberto Carlos alcanỗou e alcanỗa, ainda mais em se tratando de um artista que canta tão intensamente sua própria vida - num repertório em grande parte autobiográfico -, pode estar implớcita numa declaraỗóo dele, logo depois de ser desclassificado festival de San Remo de 1972: "Apesar de tudo não me senti vencido" Muitas vezes, Roberto Carlos chora, mas é um choro de desabafo, não de derrota Sim, porque de fato, apesar de tudo, ele jamais se sente vencido Não se sentiu vencido quando não conseguiu contrato com nenhuma rádio Rio; não se sentiu vencido quando foi demitido da boate Plaza; não se sentiu vencido quando seu primeiro disco na Polydor fracassou Não se sentiu vencido quando foi demitido da gravadora Não se sentiu vencido quando a RCA não quis contratá-lo Não se sentiu vencido quando a Odeon também não o quis Não se sentiu vencido quando seu primeiro LP na CBS também fracassou Não se sentiu vencido nem mesmo quando aos seis anos ficou preso embaixo de um trem Cada um desses episódios se tornou parte de sua história de vida, que por sua vez redundou, afinal, naquilo que ele é hoje "Quando comecei, em Cachoeiro de Itapemirim", lembra ele, "sonhava apenas em ser um cantor rỏdio Hoje agradeỗo a Deus por tudo o que me aconteceu." Roberto Carlos viveu no limite emoỗừes que poucas pessoas experimentaram Naquele acidente de trem, viveu uma experiência traumática como poucas E ao se tornar, mesmo assim, o maior ídolo popular Brasil e um dos cantores mais populares mundo, acrescentou a essa experiờncia uma condiỗóo absolutamente singular, entre as celebridades que conhecemos Ao amar uma mulher tão intensamente a ponto de caracterizar o amor como algo sem limite, viveu outra experiência extrema; ao perdê-la de maneira tão prematura, viveu o oposto da felicidade Ao viver a alegria nascimento de um filho e logo depois a luta para esse filho não ficar cego, foi mais uma vez testado e temperado Ao entregar-se fé de maneira tão devota, pareceu renascer na dor, como poucos são capazes de fazer Pelo ser humano que é, talvez o rosto triste que ilustra a capa de seus discos demonstre o que impulsiona o artista Realmente, não existe ninguém mais apropriado que Roberto Carlos para cantar os versos "se chorei ou se sorri/ o importante ộ que emoỗừes eu vivi" Depoimentos ao autor / (Por ordem alfabética): Adelino Moreira, Adilson Silva, Aguinaldo Timúteo, Albert Pavóo, Alceu Valenỗa, Altay Veloso, André Midani, ângela Maria, Angélica Lerner, António Aguillar, António Lucena, António Wanderley, Aristeu Alves dos Reis, Arlênio Lívio, Arlindo Coutinho, Armando Pittigliani, Arnoldo Silva, Belchior, Benito di Paula, Bernardino Pim, Beto Ruschel, Bob Nelson, Bruno Pasqual, Caetano Veloso, Carlos Colla, Carlos Imperial, Carlos Lyra, Carlos Machado, Cauby Peixoto, Chico Buarque, Chiquinho de Morais, Claudette Soares, Cláudio Fontana, Clécio Fortuna, Cynira Arruda, Darcy Trigo, Dalton Penedo, Dedé (Anderson Marquez) Demétrius, Deolino ålvaro Tavares Costa, Djavan, Dorival Caymmi, Durval Ferreira, Ed Carlos, Ed Wilson, Edinha Diniz, Edson Ribeiro, Edu Lobo, Eduardo Araújo, Eduardo Lages, Edy Silva, Elaine Manhães, Eliana Pittman, Emilinha Borba, Erasmo Carlos, Ernesto Bandeira Passareti, Euclides de Paula, Eugênio Pinto de Carvalho, Eunice Solino, Evandro Ribeiro, Fagner, Fausta de Jesus Hostis, Francisco Carioca, Francisco Lara, Gal Costa, Geny Martins, Geraldo Alves, Getúlio Côrtes, Gilberto Gil, Gilson Pim, Hamilton di Giorgio, Haroldo de Andrade, Helena dos Santos, Hélio Justo, Isolda Bourdot, Ivor Lancellotti, J Maia, Jairo Pires, Jerry Adriani, João Bosco, João Donato, João Gilberto, João José Loureiro, José Messias, José Nogueira, Juca Chaves, Lafayette, Leno (Gileno Azevedo) Liebert Ferreira, Luis Cláudio, Luis Garrido, Luiz Ayrão, Luiz Carlos Ismail, Luiz Carlos Miéle, Luiz de Carvalho, Luiz Melodia, Luiza Mayer, Magda Fonseca, Maguinho, Manoel Carlos, Manuel Pollari Valenỗa, Mỏrcio Antonucci, Marcos Lỏzaro, Marcos Valle, Maria Bethõnia, Maria Emớlia Cardoso, Maria Helena Gonỗalves Mignone, Mário Luiz, Mário Marcos, Mário Telles, Marlene Pereira, Martinha, Martinho da Vila, Maurício Duboc, Mauro Motta, Moraes Moreira, Nana Caymmi, Nelson Motta, Nelson Ned, Nené Bevenuti, Nenéo (Nelson de Morais Filho) Nestico (Ernesto Pinto Neto) Nicolas Maríano, Norival D'Angelo, Odairjosé, Osmar Navarro, Otávio Terceiro, Othon Russo, Paulinho da Viola, Paulo César Barros, Paulo Gracindo, Paulo Machado de Carvalho Filho, Paulo Sette, Pedro Camargo, Pilombeta, Pinga (Josộ Carlos Mendonỗa) Puruca, Raul Sampaio, Reginaldo Rossi, Renato Barros, Renato Corrêa, Renato Teixeira, Rima Gabriel Pesce, Roberto Côrte Real, Roberto Farias, Roberto Menescal, Roberto Stanganelli, Ronaldo Bastos, Ronaldo Bôscoli, Ronnie Von, Sérgio Reis, Sérgio Ricardo, Silvio Dinardo, Sylvio Silvio, César Solano Ribeiro, Thereza Eugenia, Tim Maia, Tito Madi, Tom Jobim, Tony Campello, Toquinho, Umberto Contardi, Vera Marchisiello, Vicente Telles, Virgínia Ribeiro, Walter D 'åvila Filho, Walter Marinho, Wanderléa, Wanderley Cardoso, Wando, Wilson das Neves, Wilson Simonal, Zé Kéti, Zé Menezes, Zé Ramalho JORNAIS E REVISTAS: Jornais: A Noticia (Rio de Janeiro) Correio da Manhã (Rio de Janeiro) Diário da Noite (Rio de Janeiro) Diário de Notícias (Rio de Janeiro) Diário de São Paulo (São Paulo) Diário Popular (São Paulo) Folha da Tarde (São Paulo) Folha de São Paulo (São Paulo) Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro) Jornal da Tarde (São Paulo) Jornal Brasil (Rio de Janeiro) O Dia (Rio de Janeiro) O Estado de São Paulo (São Paulo) O Globo (Rio de Janeiro) O Jornal (Rio de Janeiro) O Pasquim (Rio de Janeiro) Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) Última Hora (Rio de Janeiro) Última Hora (São Paulo) Revistas: Amiga (Rio de Janeiro) Bondinho (São Paulo) Contigo (São Paulo) Fatos & Fotos (Rio de Janeiro) Intervalo (São Paulo) Isto É (São Paulo) Playboy (São Paulo) Pop (São Paulo) Realidade (São Paulo) Revista Civilizaỗóo Brasileira (Rio de Janeiro) Status (Sóo Paulo) O Cruzeiro (Rio de Janeiro) Manchete (Rio de Janeiro) Veja (São Paulo) Bibliografia AGUIAR, Joaquim A "Panorama da música popular brasileira: da Bossa Nova ao Rock dos anos 80." 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