PROXY WARS Os referentes conceito de proxy war (ou uma guerra de substituiỗóo, ou por delegaỗóo ou procuraỗóo) tendem a ser conflitos bélicos instigados por uma potência – por via de regra média-grande, mas podendo não o ser – que nela não participa de maneira directa Está por isso nele implícita a ideia de que aquilo que está em causa ộ a representaỗóo dos interesses de uma potờncia por forỗas exteriores que dela nóo constituem parcela intrớnseca Ao utilizar a expressão proxy war, aludimos assim por norma a guerras nas quais os oponentes utilizam partes terceiras, sejam elas forỗas governamentais, mercenỏrios, ou actores nóo-estaduais, como seus substitutos na conduỗóo material conflito A expressão ganhou corrência durante o período bipolar, no qual as superpotências que lideravam os dois grandes blocos se embrenharam numa Guerra Fria em que tanto norte-americanos como soviéticos cautelosamente evitavam confrontos directos cujas consequências poderiam ser desastrosas para todos dadas as armas de destruiỗóo em massa que ambos possuớam Nas interpretaỗừes mais comuns e assaz restritivas , a motivaỗóo para as desencadear prendia-se assim, na maior parte dos momentos em que ocorreram, com as expectativas recíprocas de que tais conflitos erodissem o oponente, minimizando os riscos de no processo tal levar a uma guerra em larga escala e/ou de alta intensidade que a nenhum dos Estados beligerantes aproveitaria A interpretaỗóo estandatizada durante a Guerra Fria, pelo menos lado Ocidental, era a de que se tratatva, por conseguinte, de formatos conflituais afeiỗoados aos constragimentos de “jogos de soma zero” encenados num quadro de um Equilíbrio de Terror, o MAD (Mutually Assured Destruction) que os tornava na melhor operaỗóo tỏctica de cada um dos blocos focado na captura de populaỗừes e territúrios outro na justa medida em que este outro os perdia – num ecosistema securitário em que o nuclear não podia ser utilizado sem riscos incomportáveis Como é bem sabido, a dinâmica política bipolar destes proxy conflicts ‘matriciais’ seria a que o Presidente Dwight Eisenhower qualificou, num discurso proferido em 1954, de “falling dominos”, em que processos sequenciais criariam “zonas geográficas e geopolíticas de influência” de cada um dos blocos – sobretudo, designadamente, em quatro grandes regiões globo, na Ásia Sudeste, na África Austral, no Grande Médio Oriente, para além da América Central e Caraíbas É de sublinhar, em todo o caso, que nas interpretaỗừes clỏssicas deste tipo, o que apelidamos de proxy wars nóo eram (nem sóo, ainda) actuaỗừes locais, independentes, nem actividades bélicas discretas: ao invés, tendiam, como ainda tendem, a ter lugar em paralelo e no quadro maior de conflitos armados mais amplos e de menor intensidade pontual – e, bem assim, confrontos militares que exibem características de conflitualidade complexa e híbrida, pois que quase inevitávelmente incluem a defesa armada de interesses próprios dos actores utilizados, que como é evidente raramente coincidem, por inteiro, com os dos Estados-directores que, por procuraỗóo, os utilizam de modo instrumental Como ộ bom de ver, ademais, mesmo neste sentido restrito, os cenários em que distinguimos proxy wars não estão adstritos apenas ao período bipolar Vários 1 outros conflitos têm merecido essa etiqueta, antes como depois da Guerra Fria Dois exemplos dos muitos possíveis são o conflito endémico em Cachemira, na Índia, em que se degladiaram o República Paquistão e a União Indiana (hoje República da Índia) desde pelo menos Maio de 1999 – embora, neste caso, os paquistaneses tenham insistido que os recontros ao longo da Linha de Controlo (localmente conhecida como LOC, a Line of Control) seriam de início conduzidos, exclusivamente, por forỗas insurgentes muỗulmanas locais com agendas independentistas próprias, Antes da Guerra Fria, um exemplo suplementar de um confilto com laivos marcados de uma proxy war foi o da Guerra Civil de Espanha (de Julho de 1936 a Abril de 1939): por trás da Segunda República de Española erigida pela Frente Popular estavam, política e militarmente, a União Soviética, o México, e grupos mais ou menos orgânicos de voluntários de numerosos países agregados nas famosas Brigadas Internacionais; enquanto o Terceiro Reich alemão, a Itália Fascista, e o Estado Novo português apoiaram, uns mais militar e outros mais politicamente, o Movimiento Nacional liderado pelo caudillo General Francisco Franco Para além destes dois, diversos outros casos de guerras proxy podem com facilidade ser aduzidos Em boa verdade, o conceito de proxy war mostra aqui a sua indeterminaỗóo, jỏ que a adjectivaỗóo das guerras como proxy pouco ou nada nos diz de concreto quanto ao grau de envolvimento de forỗas exteriores que é tido como imprescindível para que as apelidemos como tal ẫ certo que nas formulaỗừes discursivas contemporõneas a expressóo proxy war nos remete para cenários bipolares Mas é claro que, se a tomarmos como conceito, a abrangência semântica da figura pode ser mais ou menos abrangente – no sentido de mais ou menos inclusiva e exigente Ou seja, o termo pode ser usado de maneira mais ou menos enxuta, por assim dizer Outro tanto se torna evidente mal nos debrucemos sobre os pormenores de cada caso Poder-se-á com propriedade falar de representaỗóo de interesses de potờncias exteriores quando estas últimas se limitam a apenas fornecer apoios financeiros e/ou em em armamento, ou será imprescindível um envolvimento maior, como por exemplo o de envio de “Conselheiros Militares”, ou até, tão-somente, peacekeepers? E qual o papel que nessa definiỗóo tem o facto de actores nãoestaduais terem a importância crescente que vislumbramos ser a deles nos conflitos que cada vez mais caracterizam o Mundo de hoje? A presenỗa num conflito armado de entidades como o Hezbollah na Síria de 2012 e 2013, ou, no Iraque, de 2003 a meados dessa década, dos Blackwater, ou, ainda, dos putativos “soldados-dafortuna” como os Executive Outcomes na Angola dos anos 90, será suficiente para podermos convincentemente alegar que estamos perante uma proxy war em que estes temíveis agrupamentos armados figuram como ‘delegados’, respectivamente, República Islâmica Irão, dos Estados Unidos da América, e da República da África Sul dos anos imediatamente pós-apartheid? E, se assim for, como parece bastante consensual, sentir-nos-emos confortáveis se decidirmos classificar como proxy wars os conflitos recentes no Grande Médio Oriente e no Magrebe alargado, dada a presenỗa na Lớbia, no Mali, ou de novo na Síria, de jihadistas wahhabi ou da al-Qaeda sunita – factota no essencial de activistas da Arábia Saudita e de acotres difusamente “estatais” da Península Arábica e arredores, embora o sejam apenas de maneira marcadamente informal? 2 Mais, e alargando um pouco mais o õmbito de aplicaỗóo potencial da expressóo: seróo os conflitos congelados no espaỗo pús-soviộtico ou no Chipre, caracterizỏveis como proxy wars, visto poderem, ao que muito indica, ser activados e desactivados pelo Kremlin ou por Ancara e Atenas, embora a sua dinâmica política não seja, strictu senso, a de “falling dominos”? E a Republika Srpska na BósniaHerzegovina ou a Sérvia ela mesmo na região que Bruxelas apelida de os “Balcãs Ocidentais”, poderão ser crismados de proxy conflicts em potência? E a Crimeia ucraniana, a Transnístria ou a Bielorússia? Sim, em todos estes casos, se o utilizar da expressão proxy for apenas uma adjectivaỗóo Mais aqui e menos ali se o uso que lhe dermos pretender ser mais que isso Expressões indeterminadas têm pouco rigor analítico puro – e talvez por conseguinte nóo mereỗam interamente o estatuto cientớfico de conceitos Nóo deixam por isso de ter, quantas vezes, uma enorme utilidade interpretativa O que parece porventura mais defensável é reconhecer que a aplicabilidade de construtos conceptuais tão indeterminados como o de proxy war estỏ indexada na utilidade analớtica que essa caracterizaỗóo possa exibir nos contextos concretos da sua enunciaỗóo e, em particular, tendo em mente a mecânica dos processos politicomilitares que tencionamos descrever aos nossos interlocutores Num ecosistema internacional contemporâneo tão marcado pela sua complexa rede de interdependências e pela sua multidimensionalidade, trata-se decerto de um conceito operacional cuja utilidade analítica é indiscutível, visto apontar para a necessidade de uma destrinỗa de quais os actores efectivamente envolvidos, e nos sugere a importância de aferir caso a caso o tipo e grau seu empenhamento Bibliografia: Jon Alterman (2013), “The age of proxy wars”, Center for Strategic & International Studies, Washington, http://csis.org/files/publication/0513_MENC.pdf Chris Loveman (2002,) “Assessing the phenomenon of proxy intervention”, Journal of Conflict, Security and Development, edition 2.3: 30-48, Routledge Yaacov Bar-Siman-Tov (1984), “The strategy of war by proxy”, Cooperation and Conflict, XIX: 263-273, Lund University, Sage Armando Marques Guedes 3 ... outros casos de guerras proxy podem com facilidade ser aduzidos Em boa verdade, o conceito de proxy war mostra aqui a sua indeterminaỗóo, jỏ que a adjectivaỗóo das guerras como proxy pouco ou nada... “The age of proxy wars? ??, Center for Strategic & International Studies, Washington, http://csis.org/files/publication/0513_MENC.pdf Chris Loveman (2002,) “Assessing the phenomenon of proxy intervention”,... expressóo: seróo os conflitos congelados no espaỗo pús-soviộtico ou no Chipre, caracterizáveis como proxy wars, visto poderem, ao que muito indica, ser activados e desactivados pelo Kremlin ou por Ancara